Em torno de Cacaça, da Cia Strondum
Carcaça começou no diálogo com um morador de rua.
Com um biotipo atlético, ao ver os artistas se aquecendo, o senhor começou a exibir movimentos de alguma arte marcial. Então se aproximou, e com orgulho que era possível de ver: mostrou uma medalha e disse que foi campeão de jiu-jtsu.
– um dia, com o que ganhei na rua, comprei um caranguejo, daqueles que vende pra comer, mas eu tava cuidando dele, então veio um maluco e pisou nele. Eu enchi ele de porrada e fui preso, mas enchi ele de porrada.
E eu pensei: teria feito o mesmo.
E começa Carcaça. A entrada é Mad Max. As buzinas são as guitarras. A fumaça roxa, a areia das ruinas. Carcaça de carro sendo destruída por movimentos. Os movimentos se constroem para destruir em seguida um outro, como se somassem energia, força. O que os motiva em certos momentos até que me pergunto, mas pouco importa porque eu também quero bater na carcaça. A carcaça passa a ser o espectro de tudo que também quero encher de porrada, a começar o próprio carro e tudo que tem sido questionado sobre o mundo e o seu futuro. Consumismo desenfreado, emissão de poluentes, doenças de todas as ordens, cidades intransitáveis. Intolerância. Então a gente entende por que violência gera mais violência, por que degradação gera violência. A fúria externa faz a fúria interna parar na garganta. E ao mesmo tempo a destruição é muito bonita, tem cor, tem forma, ocupa todo o espaço, não sobra nada, nem a cidade em volta. A destruição é espetacular, e a Sociedade do Espetáculo também passa pelo pensamento. Mas a carcaça sai transformada, ganha grafismos, e a arte de rua tá ali, transformando áreas e realidades degradadas. É a luta vencida, e necessária.
E então fez todo o sentido ter ouvido a história daquele morador de rua, ali.
PS: não posso deixar de falar que desde que os artistas do grupo chegaram ao Sesc, me interessei por ver o que eles iriam mostrar. Foi afinidade à primeira vista!
Danusa Carvalho é artista plástica e produtora cultural. Um ser da noite e cinéfila, olha para todas as coisas como se estivessem dentro de um de seus filmes favoritos.
Fotos: Danusa Carvalho