CENA 11 X NATASCHA ZACHEO = Manada

08/dez - 22:17

em torno da residência com o Cena 11

Manada Cena 11

 

Olho tudo o que posso e ainda consigo lembrar que o elefante também foi e ainda pode ser animal/arma/objeto de guerra. Só que em sua luta eles reatualizam as próprias estratégias dia a dia, e não é batalha de corte de sangue, mas de produção de sentido. A manada faz do inesperado a prática, dentro de suas restrições das imagens da memória: Suas memórias próprias; Ou, nesse instante, o corpo haqueia a memória necessária para seguir. De gestação lenta, recriação/nascimento delicadamente denso de cada um. Por dia é necessário muito alimento, só que não é exatamente a quantidade de matéria a comer, mas de ki a nutrir. Os treinamentos que permanecem diante das informações que se desconstroem. Os objetos com memórias de 10 anos retornam a partir de novos usos técnicos, assim como, ao longo do tempo, foi necessário, para muitos guerreiros, mudarem suas armas.

Posso enxergar, das possibilidades de experimentar perto e em afastamento nesses últimos meses, que se há anos atrás um corpo agia para que outro corpo se movesse, e essa resposta do outro corpo retornava ao primeiro como modo segurar, lançar, chocar em tempo de conter ou dilacerar a trajetória no espaço, hoje esses verbos continuam na gramática só que na relação com revelar, moldar, absorver, fundir. Uma manada se molda para que o máximo da história permaneça, mas um máximo que não é a quantidade, mas a qualidade de seu grito, de seu kiai. Segurar a pedra não tem a ver com lançá-la a algum choque, e sim produzir frequência, num bastão que não é de madeira – estes que podemos usar em combate – mas de metal. O bastão é de metal como espada, mas não corta o vento na prática diária de movimentá-lo. Ele é o corpo que o movimenta como quando se empunha uma espada. O bastão não se segura, ele se apoia na carne e a modifica na paisagem. Ele se choca com o corpo não para conter, mas para riscar outras possibilidades de ideogramas ali: Como procurar a prática de um shodoh que escreve situações.

Pedra bate em toque, no círculo dos elefantes que batem ossos quando alguma informação da manada morre, mas essa frequência é de vida em tonais de solidão e gritaria. Não precisa existir só oposição entre vida e morte, mas é preciso fluxo no maai. Pé que recebe o chão: Mão, membro, tronco que recebe o bastão pode gerar ‘arma’, ‘tromba’, ‘extensão’, mas não submissão de um corpo ao outro. Rosto que pode até virar máscara de teatro noh – das máscaras tensas que espantam maus espíritos, às mais plácidas, às mais velhas, às mais novas – estas máscaras que trazem da ponte o que não está mais entre os vivos, mas que gestam os cantos em sons que saem da boca e que fazem tudo acontecer. Isso: O que é evocado da memória e que quer nova possibilidade; imagem da memória que não dita, mas formula inesperados, revelações, beleza.

Território pelo qual a manada luta pode ser, cada dia, criar suas pegadas não para lembrar o caminho de retorno, mas talvez memorar o caminho percorrido para ter a ciência de que em muito não é possível retornar, voltar ao que já foi, pois o próprio passado aqui levantado como memória atualiza-se. Território em paisagem sem separação de figura e fundo que faz os novos caminhos surgirem, emergirem, que fazem o doh ser cultivado, alimentado pelo que ki que é nutrido, movimentado em cada momento. O coração de qualquer ser treme ao se aproximar desse território inundado de frequências, assim como esse movimento que vibra figura na memória de elefante as imagens mais bonitas, mais plenas. Memória de elefante a brandir.

 

Natascha Zacheo, assim como dança, estuda guerreiros, se interessa por espadas, ama o Japão desde que nasceu e aproxima as práticas em qualquer ação.

Criação da imagem: Natascha Zacheo